Conhecidas duas cidades chinesas (a capital Beijing e Xangai), às vezes fico a reflectir no alcance da expressão "capeça aqua" verbalizada por cidadãos chineses para se referirem a trabalhadores braçais angolanos que resumem toda a sua acção a praticar o que lhes é orientado, sem pensar em inovar ou sair do lugar-comum. "Os gregos foram ao Egipto aprender ciência e aritmética, desenvolveram-nas e aumentaram o seu orgulho grego" (Chiziane, 19.04.24).
"MESU MAJIKUKA"
= INFORMAÇÃO & CONHECIMENTO =
Desde 29/Abril/2005
Abordando FACTOS e IDEIAS
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segunda-feira, abril 22, 2024
CAPEÇ'ÁQUA?!
segunda-feira, abril 15, 2024
AS "VIÚVAS" DE DEIRA
_ Por que há tantas viúvas em um país próspero e sem guerra? - Ter-se-ia perguntado Mangodinho se nesse dia não usasse da circunspeção, enquanto encomendava uns trapos em Deira, uma área localizada na região leste do Dubai, que é das partes mais antigas e históricas da cidade, também conhecida por seus souks (mercados tradicionais), como o Gold Souk e o Spice Souk, bem como por suas ruas movimentadas e vida comercial vibrante.
Aos olhos de Mangodinho, é uma espécie de São Paulo ampliado e melhorado, onde se expõem à venda, vestuários, maquinarias diversas, electrodomésticos, cosméticos, enfim.
segunda-feira, abril 08, 2024
10ENCANTADOS NA ÁSIA
Mesu-a-Kekele e Inama Yendele são irmãos biológicos de mesmo ventre, embora trazidos ao mundo com elevado espaçamento. Dizem mesmo que Mesu-a-Kekele, o mais velho, tem idade para ser pai do irmão kasule, Inama Yendele, que é 25 anos mais novo.
Nos seus 50 anos, 33 dos quais vividos com intensidade laboral e experiência acumulada em viagens pela terra de nascimento e mundo circundante, Mesu-a-Kekele é, pode dizer-se, um homem de meias-aviadas e carregador de várias experiências de vida. Bem-apessoado, costuma ser apelidado de clever e visionário. Já o seu irmão derradeiro é um tanque aberto ao conhecimento, um explorador de inovações e poço fecundo de força, mostrando-se sempre pronto a acompanhar o irmão nas viagens de negócios e compras que nunca são de pouco peso e volume. Os dois se constituem em chave e fechadura, daí serem sempre vistos juntos na última dúzia e meia de anos.
No dia em que Mangodinho os viu na Ásia fazia frio intenso e sol preguiçoso. Era domingo sem o vai e vem de pessoas apressadas como ocorre de segunda a sábado. Nas árvores sem folhagens os pássaros piavam sem intensidade, pareciam cansados ou sufucados também pela temperatura que fazia desenhos na pele dos humanos. Nos restaurantes os frequentadores lagarteavam-se aos raios de sol que eram crianças para um termómetro que exibia o mercúrio a 5 graus celcius.
A capital do país da Grande Muralha e da Praça da Paz Celestial "Tiananmen" eram para Mesu-a-Kekele o mesmo que um cumbu¹ para o dono da casa. Conhecia-a bem. Ao contrário do mui viajado irmão, Inama Yendele fazia a sua segunda viagem àquelas terras, desta vez mais exposto e disposto a caminhar e explorar o que se lhe apresentava aos olhos.
- Ó jovem, estás a ver, não é? Esses gajos, mesmo sendo pequenos em estatura, são capazes de fazer coisas enormes e esteticamente encantadoras. Vês, nê?1 - Explanou o "Senhor que Vê", atiçando a admiração do jovem "Pernas que Andam".
_ Ó mano, a única coisa aqui que me dá prazer é estar consigo. Jurumemu, é única coisa. Viajo pelo que há no nosso país e tento situar-me aqui. Há muito de anormal.
Mesu-a-Kekele franziu o rosto. Meteu-lhe mibangas atravessadas e limpou os óculos para aferir se ele estava a enxergar mal ou o irmão estava a ironizar.
_ Mas, ó rapaz, estás a dizer que fiz má escolha em virmos passar férias nessa terra? Ou são aqueles reles pedreiros que se revezam nas camas dos estaleiros que não te saem da cabeça? Desperta, irmão. Essa é a China real. Aqueles são cópias e escórias!
Sem pressão na fala. Aliás, Inama Yendele é descrito como lento a falar e ágil no passo, começou a descrever os seus 10encantos.
_ Veja bem mano, viajámos de carro mais de duas horas. Tirando as mudanças de direcção sem piscar, o que na nossa banda tem sido causador de acidentes, o mano sentiu algum buraco? Não vi semáforos apagados, nem montinhos de areia nas bermas, nem lixo, nem contentores a transbordar com porcos e ratos a desfilarem. Isso é para mim uma anormalidade perante o que estou habituado. Veja ainda, entrámos num shoping. Eram perto de 30 andares. O prédio da frente tinha 80 ou mais, fazendo das nossas famosas torres da Ngimbi uns autênticos kitungu². Subidos ao cume da torre de mais de duzentos metros e não vimos casotas de chapas no meio da cidade, nem lixeiras. O mano acha isso normal? Anteontem fomos àquela província cujo nome aparece em muitas quinquilharias. O rio deles, que é igual ao nosso Kwanza, corta a cidade pelo meio. Nos dois lados estão edificações que fazem os olhos se perderem na altura da floresta de prédios cheios de jogos-de-luzes e nevoeiro. É isso normal? E veja bem, mano. Às tantas, já não sei se trouxeram o rio à cidade ou a cidade abraçou o rio. Está a ver aquele prédio com árvores naturais por cima?
Inama Yendele pôs travão nas perguntas e na fala que se fazia longa para sorver um pouco de ar que já fazia falta aos pulmões. Era também uma forma de confirmar se Mesu-a-Kekele se sentia confortado ou aborrecido com o seu discurso.
_ Ó rapaz, estou a seguir a tua explanação. Quero ouvir até aonde queres chegar.
_ Então o mano acha que aquela estação de comboios, estupidamente grande, maior do que todos os aeroportos que já pôs a visitar é normal? Repare os detalhes dos edifícios, todos encurvados, uns com abóbadas no meio, parecem misangas³, outros parecendo que vão cair, estradas no fundo da terra como se tivessem sido escavadas por toupeiras, em cada vintena de adultos apenas uma criança, isso é normal? E olha, mano, tenho estado a reflectir bastante sobre aquela especialização em Arquitectura que me ofereceu. Acho que vou abandoná-la. Espero que não se chateie.
_ Vais abandonar uma formação que te pode dar nome e dinheiro? Deves estar a sabular, ó miúdo. _ Atirou-lhe o irmão quase impaciente. _ Explica-te lá e deixa-te de divagações de filósofo de bwala.
_ Ó mano, vê ainda esses prédios todos. Lhe parecem clássico-romanos ou helénicos?
_ Não. Nada a ver.
_ Parecem góticos ou renascentistas?
_ Nada a ver.
_ Então, kota. Isso é futurologia. Eles implantam o inexistente. Viajam pelo futuro. Nós é que estamos sempre a estudar o passado, a recuar séculos como se a vida e a ciência estivessem atrás de nós. É por isso que vou abandonar a especialização em Arquitectura. Ou o mano acha isso uma normalidade para a nossa anormalidade?
Mesu-a-Kekele, homem que já vira quase tudo em sua vida, respondeu-lhe apenas com um abraço e uma frase sussurrada ao ouvido.
_ A vida é futuro. Vai em frente quem se antecipa no futuro!
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1-Lê-se tchumbu. Pequena horta contígua à casa.
2- Palhota
3- Lê-se missangas
segunda-feira, abril 01, 2024
PERDIDOS NO DUBAI
Desde a sua primeira ida, há já bons pares de anos, que Mangodinho se negava em contar as suas peripécias nos Emirados. Hábil inventor e contador de cenas, de sua boca já saíram das mais ousadas às mais arrojadas narrativas, umas verdadeiras, umas de ouvir contar e outras ainda paridas pela sua fecunda imaginação de filósofo de aldeia rural, mas nunca se atreveu a contar ou escrever sobre a vida nos Emirados.
O sol que os recebeu naquele dia de descanso semanal obrigatório era rebelde. Isso mesmo. Nos céus azuis parecia envergonhado, mas o calor que passava era de 36 graus ou mais. Mangodinho, palito na boca, a picotar nos dentes cariados os pedaços de pão que comera no avião, ia acompanhado de Lito, amigo há já nove anos que conheceu no trabalho.
Chegaram bem. Felizmente. O destino foi Dubai, aquela terra rica e vislumbrante que há cerca de cinquenta anos foi território seco e arenoso de pobres pescadores e montadores em camelos, um nada comparado às nossas bwalas aos olhos de hoje.
_ Ó mano, vamos ainda ao Mall procurar algo para comer. _ Convidou o Lito que se dizia apossado de fome.
Andaram pelo imenso shoping uns bons quilómetros à procura de restaurante. Melhor, prevenindo-se de uma possível distração que os levasse a não reconhecer o ponto de saída, Lito e Mangodinho decidiram, antes, recolher as coordenadas geográfica via Google. Nisso, o pensamento foi simultâneo e até pareciam ter sido inspirados por um deus daquelas terras recomendadas ao Ismael da Bíblia e Corão.
Cima a baixo, ora pelas escadas rolantes, ora pelas escadas normais que se achavam largas, limpas e arejadas, percorreram o gigante shoping em busca de pitéu que acabaram encontrando quando já forças inexistiam para mais andar.
_ Epá, vamos comer o que houver. Já não tenho pernas para mais procura, nem energia que permita mais espera. _ Disse desta vez Mangodinho acossado por uma dorzita na perna defeituosa.
Lito, homem de massa muscular a apontar os cem ou mais quilos, concordou jogando o seu corpo pesado sobre a cadeira que se achava ao lado.
_ Would you mind give us the menu, please?! _ Indagou Mangodinho ensaiando o seu inglês aprendido na "South" em Sea Point.
_ I'm sorry. It's our breaking time to pray. We'l be back at 6h30. _ Informou o jovem garçon (waiter na língua internacional que eles se esforçam em aprender e atender os visitantes de longe).
Mangodinho e Lito entreolharam-se.
_ E agora? _ Questionou Lito.
_ Bem, eles estão no Ramadão. Se é break time deve ser geral. Só temos uma saída que é aguardar.
Com um lago artificial pela frente onde canoas e pequenas embarcações de recreio desfilavam, os trinta minutos voaram e deram lugar a um impressionante espetáculo de jactos de água e luzes projectados piscina abaixo.
_ Epá, esses gajos estão longe, meu mano. _ Admirou Lito a gaguejar.
_ Temos de registar isso e mostrar aos miúdos lá na ngimbi para começarem a sonhar com o futuro que para os outros já é presente. Admira-me como é que os outros fazem arquitectura futurista e nós, nas nossas escolas de arquitectura e engenharia civil, recuamos ao período helénico, clássico-romano, gótico e outras antiguidades. _ Respondeu Mangodinho, algo filosófico.
Não demorou para que o waiter lhes desse o pitéu que devoraram com um apetite de quem vive escassez prolongada.
Barriga atendida, relógio avançado na hora, corpo reclamando repouso de uma viagem que tinha ainda milhares de léguas pela frente, a decisão estava tomada: regressar ao hotel pelo caminho gravado nos telefones.
Entre recordações de letreiros e pessoas que se revezaram nas lojas e entroncamentos, caminharam um longo caminho que mais se parecia labirinto. O Google os levava para mesmos lugares, sem nunca encontrarem a porta de entrada do hotel. Foi depois de já não restarem forca nos pés, nem comida no estômago que decidiram parar um daqueles carritos eléctricos que ajudam os idosos e as crianças a chegarem mais cedo ao destino, pedindo que os levasse de volta ao oculto hotel.
Lito, anglófono reconhecido e com muitos anos de Damaralândia passou à frente da tentativa.
_ Good afternoon, Sir! Please can you ride us to the Hotel? We lost the way.
Diligente, filho alheio, o homem mandou-os subir como faz com os velhotes e crianças cansados de tanto caminhar.
_ Come on. _ Atirou sorridente.
Não é que a entrada traseira ficava a não mais de trezentos metros? Há momentos em que não basta dominar a língua universal e o caminho do Google. É preciso ser vijú também!
quinta-feira, março 28, 2024
UM NOVO EX-LIBRIS EM MAPUTO
_Que bela criação humana! _ Disse para mim mesmo, fazendo-a, imediatamente, constar dos pontos a visitar nas 48 horas em Moçambique, o que aconteceu no segundo dia da minha estada por terras de Machel.
Solícito, o jornalista Ouri Pota e sua "turma": Maló (o dono do carro), Américo (o mais velho e proprietário da taberna onde se afinam as conversas e se afogam as mágoas) e o Manhiça (pintor de pena refinada e dono de uma lábia humorada que escorre como o Rio Maputo) entenderam organizar um almoço (domingo 03.03.24) na Margem Sul da cidade, onde o Pota faz a sua casa para o pós-cinquenta envolta a uma floresta por ele plantada. Pedido feito, pedido atendido: ver a ponte de perto.
Percorremo-la de carro, depois de cuidarmos da logística que consistiu em "comícios e bebícios". O embarcadouro, que vai sucumbindo aos poucos, depois da construção da Ponte, foi a primeira paragem.
_ Já foi um local muito movimentado que acolhia muita farra e festas. _ Explicou o Manhiça.
Há barracas que resistem ao tempo e algumas pequenas embarcações (de recreio) que ainda fazem a travessia da baía levando este ou buscando aquele. Senhoras de todas idades estão envolvidas na venda de peixe grelhado, à semelhança da nossa Ilha de Luanda e os cantineiros não perdem a oportunidade para o comércio de retalho. As viaturas que atravessavam por cima de jangadas fazem hoje uma travessia segura e prazerosa, pagando uma portagem que varia em função da categoria do veículo (
semi-colectivo MT 30,00; autocarro MT 60,00; classe1 MT 125,00; classe 2 MT 250,00 MT etc.).
A ponte Maputo–Katembe liga os distritos de Nlhamankulu (margem norte) e Katembe (margem sul), em Maputo. É hoje a maior ponte suspensa de Africa, remetendo para a segunda posição a ponte de Matadi (RDC).
As obras decorreram entre 2014 e 2018, tendo sido inaugurada no dia 25 de Junho (data da independência) e aberta à circulação a 10 de Novembro, coincidindo com os 131 anos da fundação de Maputo (antiga cidade Lourenço Marques).
A parte suspensa da ponte possui 4 faixas de rodagem (duas em cada sentido), 680 metros de comprimento e atravessa a Baía de Maputo a uma altura de 60 metros.
O viaduto norte mede 1097 metros de comprimento e está ligado à rotunda da Praça 16 de Junho (com acesso às estradas nacionais EN2 e EN4) no bairro da Malanga, em Maputo. O viaduto sul mede 1234 metros de comprimento e é composto por elementos pré-fabricados até 45 m de comprimento, conectando-se à estrada para a Ponta do Ouro.
O vão entre os dois pilares é de 680 metros, o maior de África. Os principais cabos de suporte estão ligados através de cabos de aço no Norte e no Sul, cada uma com um bloco de ancoragem maciço. As cargas extremamente elevadas da estrutura demandaram fundações de estacas com diâmetros de 1,50 m a 2,20 m, que atingem 110 m de profundidade no subsolo marinho (lama). Os dois pilares têm 141 m de altura e a uma altura de cerca de 40 m existe uma viga transversal para a faixa de rodagem. As peças individuais pré-fabricadas de aço para a faixa de rodagem têm cada uma 25,60 m de largura e 12 m de comprimento.
Construída por uma empresa chinesa e financiada igualmente por um banco daquele país a Ponte Maputo-Katembe é prova de que com coragem e determinação é possível erguer obras tecnicamente desafiadoras, esteticamente lindas e com utilidade sócio-económica. É também um apelo aos presentes e futuros que, no caso de Angola, já clamam por passos semelhantes. A Ponte de Matadi, sobre o Rio Zaire, em território congolês, pede uma "irmã" mais a Oeste que nos permita chegar cedo a Cabinda (embora do outro lado haja uma língua de terra que pertence à RDC, a sul de Cabinda). Por outro lado, temos o Mussulo e o pagamento de portagens, como já acontece na circulação sobre a Ponte sobre o Rio Kwanza, a sul de Luanda, pode amenizar o retorno dos investimentos.
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Publicado pelo Jor. Angola de 14.04.2024
sexta-feira, março 22, 2024
THE DOG AND HIS OWNER
A noite era de poucas estrelas e um vento bom, quente e apalpador, que vinha empurrado da Baia de Maputo. O meu anfitrião e cicerone Ouri Pota Chapata Pacamutondo entendeu levar-me a uma espécie de "sindicato dos artistas".
O bairro fica próximo do aeroporto e é já fora do caso urbano com casas de autoconstrução e algumas preocupações no saneamento. A casa indicada é a do saxofonista Américo Macutamo "Mile Davis" que tem uma taberna muito frequentada pelos artistas e divulgadores de arte.
As conversas, sem sumário rígido, variavam entre sociedade e artes. Afinal, tinham recebido um jornalista-escritor-cronista que visitava Maputo pela primeira vez, que estava sedento de recolher o máximo de informação possível sobre esta terra lusófona no Índico. Os moçambicanos, por sua vez, curiosos, procuravam igualmente indagar isso e aquilo. Mostravam, na verdade, ser bons question-makers sobre a Angola do pós-independência e pós-guerra civil que enterrámos em 2002.
Quando lhes falei sobre o encanto que era a Ponte Maputo-Katembe, a curiosidade deles virou-se, obviamente, ao que nós Angola tínhamos construído de relevante no pós-independência, fazendo-me desfilar um rio de anotações mentais de tudo quanto meus olhos registaram e a minha mente gravou.
_ Sou do Libolo, interior de Angola, de onde saí aos dez anos. Conto já 40 anos em Luanda e conheço todas as capitais das 18 províncias. Dou-vos dois exemplos: Luanda que encontrei em 1984 tinha o BPA e o Hotel Presidente como os mais altos prédios. No outro lado da Baia, que chamamos Ilha, é o Panorama quem brilhava e diziam ter 5 estrelas. Hoje quem espreita a cidade baixa encontra um conglomerado de arranha-céus. Muitas ruas que conectavam a parte urbana à suburbana em crescimento exponencial eram estreitas, tendo sido alargadas e melhoradas. Construíram-se nós rodoviários para facilitar a circulação automóvel, cujo parque teve uma ascensão de 8 para 80. Enfim, são muitas coisas que, quando nos recolhemos à retrospectiva nos levam a essa conclusão. Outro exemplo são as cidades construídas de raiz, por quase todo o país, para amenizar a carência de habitação. Foi um passo bom, mas temos mais. O meu bom exemplo tem sido a cidade de Ondjiva que foi toda despedaçada pela aviação sul-africana ao tempo do apartheid. Hoje o que se encontra é um "fénix renascido dos escombros". _ Contei-lhes, entre pausas, para atender os pontos-d 'ordem e amenizar a garganta com líquido dourado.
Os bons apreciadores da "espuma" já iam em boas doses (eu disse doses e não doze) quando, embalado, o Manhiça lançou a sua proposta irrecusável.
_ Epá, ó mano escritor angolano, assim mesmo estamos a selar a nossa amizade. A esta hora já não nos dá jeito para irmos à minha casa e voltares ao hotel, mas amanhã o "meu filho" Pota levar-te-á ao meu atelier para teres uma recordação.
Agradeci de imediato a amabilidade e sonhei envolto a obras pictóricas. Afinal, ao que o Pota e outros companheiros contaram, o Manhiça, moçambicano de 45 anos que decidiu "pintar o seu país", depois de largos anos na Alemanha, é um dos mais proeminentes "seguidores" de Malangatana.
Domingo, dia D, comparecemos à hora nove. "Encontrámo-lo" não estava. O filho explicou que o avisara para que não saísse sem telefone. "Mas o tio Pota já conhece a teimosia do seu amigo. Disse que não demoraria, só que se aparece alguém a dar-lhe conversa ele se esquece de outros compromissos".
Aguardamos até à hora do esvaziar da paciência. Diligente, porém, o filho de Manhiça (grandes conversador) tinha feito ligações a alguns amigos do pai para que quem o visse o alertasse da chegada do visitante angolano. Não tardou chegou animado com o seu cigarro fumegante, convidando-nos a adentrar o seu atelier.
"The dog and his owner" (o cão e o seu dono) era um conjunto de quatro peças que ficaram repartidas. Duas estão agora em Angola e outras duas permanecem em Moçambique, ainda sem novo dono.
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Publicado no Jornal Cultura de 12.03.24
quinta-feira, março 14, 2024
VISITA GUIADA À RÁDIO MOÇAMBIQUE
sexta-feira, março 08, 2024
FUBADA MEMORÁVEL
Na banda não faltam motivos para organizar uma fubada como as que acontecem nos aposentos do ancião Salas Neto, no Distrito do Rangel, apimentadas de crónicas e outras chaladices, ou no apartamento kilambístico do kota Lauriano Tchoia, acondutadas de suculentas codornas.
Na estranja, o esforço para encontrar uma bilada é maior. As opções sempre exíguas, vão para a papa dura (feita de farinha grossa de milho) oferecida pelo Marcos African Food ou é ao puré de batata que nunca se aproximam ao nosso pirão ou funji de bombó, podendo ainda variar para o misto, sempre a condimentados com largas postas de peixe do Atlântico Equatorial fartas verduras nascidas e crescidas ao sol resoluto.
Uma boa fubada, apomadada com castas do Bero ou Xixila, dá azo a prolongadas tertúlias e vozes que se elevam com o tempo de duração do repasto.
Aqui (na estranja), no silêncio e pacificidade de Sea Point, (satélite de Cape Town) apenas os beggars (tidos como "malucos"), os carros, as motos noctívagas, os ventos e a fome falam alto. Vezeira, a fome vem de tempo em tempo, carregando, quase sempre a vontade de embrulhar uma boa fubada para contornar os sweet food destas terras.
_ Atenção! António, Lau, Adelino, preparem-se, estou a chegar. Amanhã quero-vos no meu apartamento e vamos fazer uma bilada! _ Anunciei, antes mesmo de saber se encontraria utensílios.
Não houve resistência, afinal, a chegada de mais um mwangolê seria motivo para pôr conversas em dia, reflectindo sobre e vida de cá e as malambas de lá.
_ É só avisares a hora e as incumbências que lá estarei. _ Responderam um a um.
Dia D. A fome madrugadora, talvez incentivada pela combina da bilada, gritava mais alto do que os negros beggers que se achavam lyambados nas ruas "brancas" de Sea Point.
O low shielding seria entre o meio-dia e as duas da tarde. Apressámo-nos nos preparativos. Melhor, o Lau cuidou de confeccionar o kalulu que o Star jura de pés juntos ter sido "inventado em Kalulu", assim como "o bolo vem do Lubolu". O Adelino cuidou das pomadas e o Oldest António ficou a moderar os excessos vocais, quando a pomada começou a fazer efeito.
Assim foi a primeira bilada. Uma fubada mista que só não recebeu estrondosas palmas de gratidão dos estômagos por estes terem a natureza de pedintes insaciáveis.
No fim-de-semana seguinte, foi a vez do Lau organizar a fubada.
_ Kotas, desta vez o conduto serão carnes assadas e, como temos assador no quintal, será lá nos meus aposentos. Preparem só as pomadas. _ Recomendou, fazendo-nos aparecer religiosamente ao meio-dia.
_ Haverá duas sem três?
O Adelino assumiria a terceira semana consecutiva. Desta vez, o Star prometeu levar sardinhas tugas para o início de conversa. Uma caixa de castas nacionais foi "raptada" pelo caminho e abatida com sucesso, dando cor ao frango e kabwenya tuguesa, levando a conversas que se prolongariam até à última gota, o último espinho e à derradeira ossada.
Mas, que tal se a fome e a vontade de embrulhar uma funjada chegam num dia de semana em que não dá jeito para reunir a equipa?
A solução é bikular a solo. Afinal, em casa ou na estranja, com amigos ou alone, ĥá sempre um motivo para uma fubada. Se bem regada, melhor!
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Publicado pelo Jornal de Angola de 21.04.24
sexta-feira, março 01, 2024
"FILHOS" QUE LADRAM
quarta-feira, fevereiro 28, 2024
A ESTUDAR TAMBÉM SE FAZ DIPLOMACIA
Assim é que nas ciências, tecnologias e negócios globais/transversais, algumas línguas se sobrepõem às outras. É hoje imperioso, para se ser cidadão desta aldeia global, que se domine a "língua das hi-tec e do comércio mundial", o inglês. Nesse quesito, um dos destinos para angolanos, moçambicanos, congoleses, sauditas, líbios, tunisinos, franceses, brasileiros, germânicos e tantos outros tem sido a África do Sul.
Na LaL, uma das escolas que mais acolhe angolanos, a aula de 16 de Fevereiro teve dois momentos eleitos à partilha com os meus leitores.
O primeiro foi um texto, seguido de reflexão interpretativa, morto-sintáctica, e argumentativa sobre um apelo do Primeiro-ministro japonês que, preocupado com o "excesso de carreirismo e sono" que têm levado à diminuição da população na ordem de 30%, lançou um veemente apelo à procriação, tendo terminando a "homilia" com o a frase "vão para casa e façam filhos", frase que os nipónicos entenderam como ofensiva.
Seguiram-se perguntas, argumentos e contra-argumentos sobre "se os governos devem intervir no controle da população (seja para aumentá-la ou para conter o seu crescimento) ou se deve ser uma decisão pessoal/do casal.
Quando chamados a compulsar as taxas de fecundidade nos países de origem, notamos que Angola era o único país com uma taixa acima de meia dezena entre sul-africanos, franceses, sauditas e brasileiros.
_ Uf! In your contry couples work hard. _ Atirou a brincar o Ahmed, um jovem saudita dado a saídas sarcásticas, ao mesmo tempo que discordava dos dados apresentados pelo Google em relação à natalidade no seu país.
Arguciava ele que "não concordava porque muitos homens têm mais do que duas famílias, tendo cada esposa de três a seis filhos".
_ You must review your country's data. _ Dei-lhe o troco.
Sobre a taxa de fertilidade (número de filhos por mulher) e sobre a possível interferência ou não dos governos para manter os equilíbrios demográficos e económicos, discutiu-se o suficiente e cada tirou as suas conclusões. É um debate ao qual você está instado a participar e agir.
O segundo momento da aula de inglês que, naturalmente, acompanhou o primeiro momento, foi a apresentação de bebidas típicas de cada país.
Criativos e orgulhosos de sua pátria e cultura, os quatro angolanos, em que me incluo, decidiram, sob patrocínio do articulista, levar mais do que a solicitada bebida típica. As duas jovens (Alaíde e Jacira) foram à street market (uma espécie de São Paulo, em Luanda) e compraram bananas-pão, múcua, ovos, jinguba e batata-doce que transformaram em kitutes que "regaram", de forma muito concorrida e com direito a sobras, as três horas e meia de aula.
Afinal, diz um ditado secular, "no aproveitar está o ganho". Os angolanos souberam mostrar a cozinha típica e fizeram, igualmente, diplomacia.
Até à próxima!
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Publicado no Jornal de Angola de 25.02.24
quinta-feira, fevereiro 22, 2024
KITOTAS NO CABO
"Kitotas: recuos e avanços", o último, tem sido dos mais comentados. A distribuição é comedida (estamos a kanjonjar para não acabar cedo, enquanto não se reúnem condições para reedição).
Portanto, "Kitotas: recuos e avanços" já está a ser apreciado pela cônsul de Angola na Cidade do Cabo, Elsa Vicente, que pediu mais livros do autor Soberano Kanyanga para os colocar ao dispor dos nacionais que procuram por serviços consulares.
Agradeço e vamos cumprir.
quinta-feira, fevereiro 15, 2024
CABO: DE 150 ESCRAVOS A 25 MIL RESIDENTES
Chegados à costa atlântica do que é hoje Angola em 1482, os portugueses viram-se no Século XVII confrontados com a presença holandesa, cuja "companhia ultramarina" explorava já as Índias Orientais. Assim, os holandeses estiveram em Angola durante os séculos XVII e XVIII na região costeira, incluindo Luanda e Benguela, com o objectivo de participar do comércio de escravos e de outros recursos naturais.
Aportados no Cabo da Boa Esperança em 1652, os holandeses tiveram como objectivo inicial estabelecer um posto de abastecimento ao longo da rota marítima para as Índias Orientais. Um ponto estratégico de paragem onde pudessem reabastecer as suas embarcações com água, comida fresca, lenha edemais suprimentos antes de continuarem as sua viagens para o leste, em direção às ricas colônias nas Índias Orientais, e destas para a Europa afigurava-se primordial. Portanto, o Cabo surge como um entreposto para reabastecimento, descanso e cura dos "incapazes" de prosseguir as viagens. Só que tal empreitada demandava homens sadios e a "preço de banana".
quinta-feira, fevereiro 08, 2024
A "FESTA" DOS CONVIDADOS DA NJAMBA
O Governo do MPLA, atacado a norte pelo exército zairense de Mobutu e mercenários convidados pela Fené, e no Sul atacado pelos racistas da África do Sul, compadres e convidados dos kwachas, teve de pedir apoio a Fidel Castro para manter o país independente e uno.
Foi difícil travar os invasores, procedentes do norte e sul, fortemente armados e sedentos de sangue e poder, que procuravam destruir todos os "vasos capilares" do país nascente. Edifícios administrativos e residenciais, pontes, ferrovias, fábricas, etc., nada foi poupado.
Uns, ruidosos ou silenciosos, virão dizer-me "não desenterre o morto".
A minha colocação é: que tivessem dito aos vossos convidados para preservarem os edifícios. É que até o cinema "foi para o maneta". Partiram-no desgraçadamente!
quinta-feira, fevereiro 01, 2024
ONDJIVA AOS MEUS OLHOS
Na mesma rua, a principal da cidade, acham-se, à direita, o antigo palácio (construído depois da destruição daquele herdado na independência) e um outro palácio, maior, novo e digno desse designativo. Perfila paralelo ao largo Mandume ya Ndemufayo, também novo e integrado numa série de obras (várias) erguidas pelo Governo Central para reatribuir dignidade de cidade capital ao que restava apenas o nome. Mais abaixo, no sentido aeroporto-centro está o edifício da cultura, novo e majestoso, juntando-se-lhe a Mediateca e outras serventias como a Centralidade de Ondjiva que é hoje, diga-se, uma cidade encantadora!
segunda-feira, janeiro 29, 2024
MENTIRINHAS DE JOÃO E CONSELHOS DE JESUS
Um dos edifícios que conta a história do Kwitu, depois da guerra pós-eleitoral, dizem ser a Catedral da Paz, templo da Igreja Evangélica Congregacional de Angola, construído pelos crentes citadinos depois do cerco à cidade. Aqui cultuaram e continuam a cultuar dirigentes inesquecíveis como Sabino Salongue, Jão Marcos Bango, Celita Adolfo, Samuel Catumbela, Alice Kakeke (de feliz memória), Isabel Changuendela, Cândida Celeste, entre tantos outros. A lista é grande e estende-se aos filhos, netos e outros evangelizados todos os dias.
Mas é sobre o João, um menino engraxador do Kwitu, e seus amigos Miguel e Kasoko que vos conto.
Encontrei-os à entrada de uma unidade hoteleira que dá de caras com a Catedral da Paz. O João, o mais expedito, mal viu o carro parar, endireitou a cara, fazendo uma de coitado e faminto, seguido de um sinal pedinte.
_ Me dá lá só kapão, faxavori! _ Terá soltado. Algo assim.
Apreciei as suas vestes e o cabelo pintado.
_ Porra! Maltrapilho e cabelo pintado, deve ser um pequeno grego. _ Ensaiei sem o soltar.
Fiz resistência em baixar o vidro lateral e decidi mesmo não atendê-lo.
Esperto (isso mesmo), o rapaz que vim a descobrir que responde por João, cônscio de que a sua artimanha tinha caído ao ralo, olhou para o lado oposto e meteu-se a assobiar. Talvez recitando uma música ou um hino da "nembele" IECA, o que tocou a sensibilidade do meu companheiro de viagem.
_ Camarada Matoumorro, o rapaz convenceu-me. Vou dar-lhe uma moeda. _Disse-me o camarada Jesus Cortex, sacando duas notas de Kz 200 que dividiu aos três: uma para o artista de cabelo louro e outra para o Miguel e Kasoko que são irmãos.
Estacionada a viatura, eis que os rapazes reapareceram.
_ Pai, vêm engraxar sapatos. _ Chamaram em coro.
Dividimos-nos. Eu dirigi-me ao João e o camarada Jesus ao Miguel a quem soltamos conversas sobre a importância de frequentar a escola, mesmo ajudando os pais com menos poder para sustentar satisfatoriamente os filhos.
_ Ó meninos, o quê que fazem com o dinheiro?
_ Nós ajudamos a mamã. Engraxamos, eu e o meu irmão, e damos o dinheiro à mamã. _ Respondeu o Miguel, demonstrando inteligência.
Acrescentou que a caixa do seu irmão havia sido roubada e estavam a trabalhar com apenas uma, a ver se a mamã juntava o dinheiro que fazem para mandar ao carpinteiro confeccionar mais uma caixa de engraxador. Ficamos comovidos.
_ Vocês estudam? _ Indaguei. Fazia-o sempre no plural.
_ Eu estudo, a quarta classe. _ Respondeu o Miguel.
_ Eu estudo a sexta. _ Complementou o Kasoko, o irmão mais velho do Miguel.
_ E tu João?
_ Eu também.
O João era o mais vivido. Noutro tempo, dir-se-ia o mais espertinho. Tinha argumentos para tudo. Era resoluto e um pouco ameaçador em relação aos outros. Chegámos a cogitar que no tempo das kitotas seria, no mínimo, um sargento, fosse num exército ou numa milícia.
_ Mas, ó João, tu com cabelo pintado entras na escola? O professor deixa-te entrar?
Os amigos, sabendo que ele estava a faltar à verdade, começaram a rir-se dele.
_ Estás a rir o quê, sô burro? Ó pai, eu estudo. Podemos ir na minha casa para tirar certeza com a minha mãe. _ Desafiou-os.
_ Ok. Não precisas de te exaltares. Vamos lá. Que classe então estudas e a que hora vais à escola? _ Amenizei.
- Ó pai, eu estudo de manhã, mas hoje não fui porque não tem sabão para lavar a minha bata.
Os dois amigos riram-se novamente das suas invencionices, elevando novamente os seus nervos aos píncaros.
_ Vamos então na minha escola para tirar certeza. Vamos. Ó Miguê, você assim já está a gozar demais. Vamos na minha escola.
_João, acalma-te, filho! Diz-nos quem é a tua professora?
_É professora Maria! Ó pai, esse burro fala à toa. Ele é que não estuda. A vida dele é só pedir dinheiro nos mais velhos. _ Acusou o João ao Miguel que parecia de sua idade. O Kasoko, que disse estudar a sexta classe, parecia dois ou três anos mais velho e era quem menos falava. Era o que estava sem caixa de engraxador.
Nisso, os dois irmãos que frequentavam a escola começaram a ler os placas de identificação das lojas e demais sinalética, desafiando o João a fazê-lo também. Apontaram para um atelier e desafiaram-no.
_Ó pai, vamos tirar as provas. João, se estudas ainda lê ali.
Encurralado, o João inventou que não lia à distância.
_ Ali em cima não vejo bem, mas nas letras de baixo está escrito arfaiate.
Foi a prova de que era apenas um menino esperto, mentiroso e não alfabetizado.
O camarada Jesus, tal como o seu homónimo nascido na pequena cidade de Belém da Judeia, pegou a mão do João e levou-o para uma catequese, daquelas que um menino com todo o futuro ainda pela frente precisa de ouvir. No final, deu-lhe mais uns trocados.
_Quando voltarmos ao Kwitu quero encontrar-te a estudar. _ Recomendou Cortex, esperando que João cumpra o conselho de Jesus.
Publicado pelo Jornal de Angola do dia 11.02.24
segunda-feira, janeiro 22, 2024
KITOTAS NO LUVILI
A beleza do monolítico estendido na sua grandeza aos olhos e a expressividade da praça rural em que se expõem ao automobilista e passageiros produtos do campo, como cebola, alho, tomate, abacates, kapungu-pungu, milho, cenouras, mel, banana, rabanete, pimentos, mangas, etecetera, quase forçam a paragem até dos mais apressados.
_ Esses meninos não estudam? _ Indaguei preocupado com o número de crianças vendedeiras em dia e horário escolar.
Um dos rapazes que cantarolava buscando frequeses tentou mesmo ludibriar-me.
_ Tio, eu fui de manhã à escola e vendo à tarde para ajudar os meus pais.
A um desatento, sua alocução parecia carregada de razão. Passei a mão sobre o cabelo dele, em jeito de carinho, e notei que há muitas semanas não recebia a visita de um pente, nem mesmo uma lavagem cuidada.
_ Ó filho, não mente! Se tivesses ido à escola o teu cabelo estaria limpo e ainda penteado, pois o professor não deixa entrar assim na sala de aulas. Ou é mentira? _ Atirei ao julgamento popular.
_ É verdade! _ Responderam as manas, assim como os seus comparsas.
Dito isso, o rapaz recolheu-se e fez-se desaparecer na multidão, indo apregoar o "ó pai, me compra lá só manga" em outra freguesia.
As duas manas (na aldeia quem nasce primeiro é mano) tentaram, ainda, sair em sua defesa.
_ Ó pai, esse tempo, você pode estudar muito, sê padrinho na cozinha, você noé nada e nó vai a quarquer lugar".
Abri o livro da minha vida, desde tenra idade no Lubolu. Mostrei-lhes imagens reais (no telefone) do sítio em que nasci e imagens gravadas na memória, nunca levadas a texto. Preguei sobre o quanto a escola, mesmo sem padrinhos e tios, me levou aos areópagos lubolenses.
_ Minhas filhas, sem padrinhos também se pode ser grande. Por outra, o padrinho na cozinha pode aparecer lá em frente, mas se você não souber comer, para nada valerá. Mandem sempre os vossos filhos à escola pois também poderão ser administradores e governadores do Wambu.
Informadas e sentindo-se convencidas, pediram-me uma foto para perpectuar o momento. Fui ao carro pegar um livro que conta parte de minhas peripécias e deixei-as a ler Kitotas: recuos e avanços.
Publicado no Jornal de Angola, 18.02.24
terça-feira, janeiro 16, 2024
UM MIRAGE* SOBRE A GRUTA
A chuva, fugida de Luanda e instalada permanentemente no Kwandu nyi Kuvangu, revezava-se com curtos instantes de sol intenso que magoava as lentes oculares, tornando lenta a marcha que foi completada após penosas 14 horas. Paragem para abastecimento Logístico houve apenas uma durando não mais do que hora e pico.
Cansados, mas confortados pelo sucesso da parcela da missão, o grupo liderado pelo Comandante Jesus Cortex, teve outros desafios no terreno. Era preciso separar os integrantes em dois subgrupos e encontrar abrigos seguros para pernoitar que não denunciassem a presença deles nas margens do Rio Kwebe.
Conhecedor da área, o Brigadeiro Cortex e o seu Estado-Maior, Major Buta, isolaram-se dos demais e estudaram minuciosamente o mapa topográfico da região. Analisaram, perante os olhos e ouvidos atentos do especialista em comunicação, as possíveis vulnerabilidades para intrusões e saídas inimigas, assim como as zonas de maior opacidade à penetração terrestre e observação aérea.
Havia uma kamunda com rochedos e uma gruta que podia servir de abrigo durante a noite. Um único desfiladeiro aberto por animais e caçadors conduzia ao local que atenderia os três dormitórios. Minas defensivas foram plantadas a 150, 100 e 50 metros no desfiladeiro para prevenir uma eventual penetração inimiga.
Encontrado o local, desfizeram as mochilas para retirar os mantimentos. Apenas parte delas. Era preciso atender o estómago que reclamava ração fria. Não foguearam.
_ Fazer fogo é dizer estamos aqui. _ Preveniu o Estado-Maior.
O Capitão Matoumorro, "Radista" como é conhecido entre os pares, encostado em um penhasco, conferia as mensagens recebidas do Comando Central e as repassava aos colegas, depois de devidamente descodificadas e filtradas.
_ Apenas as essenciais para a nossa missão. _ Alertou antes da distribuição.
A noite até podia ser tranquila. Pelo menos as "camas" eram, apesar daquele cheiro de excremento de canta-pedras que tagarelavam intermitentes por perto. Havia somente um senão. Um Mirage sobrevoava a o monte de tempo em tempo, obrigando-os a permanecerem em alerta e prontidão defensiva durante toda a noite.
Não houve confrontos, não! Porém, também não houve sono até que o Mirage foi abatido às 07h01 da manhã pluviosa. E chovia como nunca!
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*mosquito incómodo em quarto de hotel.
Publicado pelo Jornal Cultura a 17.01.24
segunda-feira, janeiro 08, 2024
À PEDRA III
(Memórias dos princípios dos anos 80 no Lubolu)